1O POEMAS DO LIVRO ” DUBLÊ DE FIGURANTE” DE MARCELO GIRARD
BOTA ISSO NA MINHA CABEÇA
Nunca vi polícia arrombando condomínio,
Liminar pra entrar na favela.
Nem segunda ter clima de domingo,
Rico comer sobra de panela.
Padre ficar sóbrio na santa ceia,
Amigo de copo comprar remédio,
Mulher de saia curta barrada no fórum,
Homem falar que beijou a feia,
Votação de orçamento sem quórum.
Será que um dia vai existir?
Sala de maternidade em clínica de aborto?
Os gays proibirão o casamento tradicional?
Dois santos baixarão no mesmo corpo?
E o inimigo não será mais do mal?
Posso te dar uma resposta ou um sorriso,
Ou virar estátua enfeitada com lodos,
Ficar acomodado com a certeza do indeciso.
É democracia!
Uma bagunça organizada por todos.
BRINCANDO DE CASINHA
Vejo teu rosto
Na luz do celular.
As mãos cortam
O beijo bêbado.
Se esconde o sorriso
No guardanapo.
Chegam a conta e o garçom!
Amor, sabe lavar pratos?
CIDADE CONTINENTE
A lapa é Paris mais perfumada.
Tem a pequena Veneza, Urca.
Nova York na Barra estatuada.
Árabes na alfandega sem burca.
Aqui Hollywood é Gamboa.
E estreia em fevereiro!
E nem Disneylândia
Tem um morro de açúcar.
E uma lagoa com cisne acrílico.
E de braços abertos ele adota.
Essa Ásia de católicos etílicos.
Rio: uma África dentro da Europa.
FRUTA DE CARNE
Tua boca tem gosto de alma.
O mel na lágrima se veda.
Merece mímicas de palmas.
Por ser lona do meu paraquedas.
Fico trilho de bonde solto.
Inseticida de qualquer peste.
Perdido num fumacê.
Na pele santa que veste.
És palavra nunca lida.
Fina flor de cacto.
Travessa cruzando avenida.
Dedo cortado no pacto.
Te bebo escorpião!
Te quero mais sede.
Você me anzol.
E eu? Te rede!
MAQUIAGEM DE GELO
A lágrima em turbulência,
deslocada, foi minha hoje.
Barco fora de curso
reflete a foto sem cor.
Sorrisos virando soluços,
escorrendo o que não me é dor.
Tenho espelhos dentro de mim:
um palhaço que nunca chorou
nas lentes de carne,
em nanquim.
HAMSTER
Um Hamster fora da rotina.
Não, não é assim que estou!
Meus olhos te respondem.
Como bina.
Por ti é que me sou.
Se for a mão e não o revólver.
Que assassina.
Será a luz ou a energia que ilumina?
Respostas que nunca terei.
Como a realidade.
Que me faz o que sonhei.
MODIFIQUEICHON
Viro índio em volta do fogo,
Algodão que se desprende,
Mexilhão que não se mexe,
Algema que não se rende…
Dor sufocada no emplastro,
Fuligem do vulcão em neve,
Águas recortando rastro,
Eternidade de beijo breve…
Agulha fora da linha,
Gaivota de papel sem vento,
Ovo perdido da galinha,
Um tsunami lento…
Se estou fora do teu centro!
PARANOMIA
No siso do nosso casamento,
Aliança da virgindade derreteu.
Você transava arrependimento.
E a relação não adolesceu.
Não posso com meus seios te peitar.
Um pastor que se preze
Não deve todos padrear,
A menos que depois reze.
Sua volúpia quis me dentear.
Me esquivei do seu sorriso,
Para depois não me abocanhar.
O seu lábio me dá bronca.
Deixa hábil minha língua.
E quando vou te beijar, você ronca.
PRETA PRATA
teu rosto afronizado
me tira selvas
o que me arranha, esmalta
por ti são burros os sábios
viram notas sem pauta
ficam sites sem dáblios (www)
olhos que brilham
feito casca de besouro
jabuticabas que ilham
boiando em soro
tua cor é a sombra dos meus dedos
quem te conhece vira cardume
muitos não te amaram por medo
mas meu coração te assume.
SAI AQUI DE DENTRO
o bem que me fazia
hoje
me esvazia.
se bem não estivesse
com você ficaria.
E mesmo que em mim coubesse
não te aceitaria.
Pois, hoje, se você viesse,
bem não me faria.