O Dente Cariado de Cristo: A História de Um Poeta e Seu Primeiro Livro aos 16 anos
O POETA MALDITO AGORA É POP
No início da década de 1990, um jovem poeta do Rio de Janeiro lançava seu primeiro livro de poemas, intitulado O Dente Cariado de Cristo. À época com apenas 16 anos, o autor já havia começado a escrever suas composições entre os 13 e 15 anos, culminando no lançamento que viria a provocar um grande impacto não apenas em sua vida, mas também na cena literária local e do Rio de Janeiro
O livro foi produzido de forma independente e teve uma tiragem modesta de cerca de 500 exemplares. Apesar da pequena quantidade, a repercussão alcançou jornais locais e até mesmo o prestigiado O Globo, catapultando o nome do jovem escritor para um reconhecimento inicial, porém conturbado.
A jornada para publicar O Dente Cariado de Cristo não foi fácil. Enfrentando resistência na escola e até mesmo dentro de sua própria família devido ao conteúdo ousado e à linguagem crua dos poemas, o poeta viu-se envolto em polêmicas e censura. Ainda assim, o apoio decisivo de Apolinário do Carmo Reis, líder da associação de moradores do Bairro Ipiranga em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, foi fundamental. Reis não só patrocinou parte dos custos de produção como também incentivou o jovem poeta a persistir diante das adversidades.
“Eu devo muito ao senhor Apolinário. Ele acreditou em mim quando poucos acreditavam”, relembra o poeta, que na época não tinha uma renda fixa e enfrentava uma dívida de dois salários mínimos. Com a venda dos exemplares, o jovem conseguiu quitar o débito em menos de 30 dias, demonstrando não só seu talento artístico, mas também seu empreendedorismo e determinação.
Para promover seu livro, o poeta percorreu os bares e restaurantes do Centro do Rio e diversos bairros cariocas, seguindo a tradição de autores independentes da época. Essa abordagem direta ao público não apenas ajudou na venda dos exemplares, mas também moldou sua visão sobre a literatura e sua relação com o leitor.
Poemas de O Dente Cariado de Cristo
Aqui estão alguns dos vinte e cinco poemas originais que marcaram o início da trajetória literária do poeta. Os poemas mais polêmicos não foram postados.
E SE SAÍSSE?
Se todos fôssemos todos,
Seríamos muitos todos.
Porém, nem todos querem ser todos,
Porque todos são poucos e poucos querem.
Todo porquê é todo o quê?
O que você quer e por quê?
Sem porquê não tem. Por quê?
Ficar sem o não tem!
E sem eu não tenho?
Daí e para aí eu sou assim,
Que dá aí para mim,
Sem ser o sim.
Pode sacar e pode sacar
Que pode e não pode,
E o pode não pôde,
Por não pôr-se.
E não pondo não posso
Ser quem?
Ou aquém de te, vê.
Saí e parti sem sair.
LIBERTAR
Sábio sou,
Pois sei que não sou sábio.
E saiba que serei quem sou,
Pois sábio sou.
Tranquilize-se, amenize-se, certifique-se.
Se sou perverso, que versos não redigo,
Sem escrever eu mesmo a minha perversidade.
Persigo e não te sigo no absconso sonso.
Querendo a dialética, eu fujo da ética,
Que, apesar de robusta, é eclética.
Nada planto sem encanto e sem canto.
No entanto, sou o recanto do teu santo desencanto.
Aparecer no florescer é como ser parecido
Com a flor que recomeça a viver.
Se eu sou inconveniente, não posso negar.
Se eu sou prudente, tento me acalmar.
Se eu sou vidente, não posso falar.
Sou apenas um homem com a vontade
De me libertar.
X MANDAMENTOS DE UM POETA
Uma amante por ano,
Um poema por dia,
Uma tristeza por mês,
E boas companhias.
Uma decepção por ano,
Uma frase por dia,
Muitas tristezas na vida,
E grandes alegrias.
Um título na letra,
E uma dor de raiva e agonia.
SEMPRE
Terá o que tens.
Será o que tens.
Verá o que tens.
Terá o que não pode.
Será o que não pode.
E verá o que não pode.
Não podemos ter mais
Do que temos.
Não sei por quê!!
Não seremos o que queremos.
E veremos o que não queremos.
E pouco teremos.
Sempre.
SEGURE-A
Não é inveja,
Só ciúme.
Não é ciúme, é medo.
Não é medo, é neurose.
Não é neurose, é fanatismo.
Não é o não, é o sim.
Perdi, ele achou.
Olho, ele supera.
Eu corro, ele para.
O amor é uma trilha
Que dá numa ilha
Sem a minha Marília.
É um pedaço do pescoço
Que não encontram osso.
É um sorriso de cachorro
Impreciso e acampto.
É um corpo em desafio
Cortado e esmagado
Por um fio.
NÃO MÃO
Se cruzam,
Se endedam, anelam,
Roçam-se, coçam-se.
Pessoas sem figuras,
Porém, têm o estranho jeito
De serem peculiares.
Trocam-se, tocam-se, enroscam-se.
A parede é um amigo sem sentido,
Que, em diálogo, logo fico desinibido.
Tem a graça de realizar
Gracejos e impejos,
Que o desejo ânsia num ensejo.
Ligam a mão,
Segue o então esperado
Aperto de mão.
Com ardor e frio,
Abrupta e sutil.
São elas o preâmbulo da vida
Que dá vida.
A ESTÁTUA
Nem o ódio que odeio,
O sol que incendeio,
O seio,
Traz a fleuma.
Nem a cara que encaro,
A guerra que guerreio,
A asa que azeda com o tempo
Faz a pachorra.
Nem o ensino que aprendo,
A prisão que me apreendo,
Está sendo presa
Sem eu estar tendo
A surpresa.
Nem o olho que olho,
A boca que bloqueio,
O bloco que está fora de foco,
Atrai minha estátua de lata
Com alma de prata.
BELEZA ACESA
Não se pode ser tem, ter.
Não se pode ter sem ser.
Ter é ser.
Ser é ter.
Não tenho, não sou.
Tenho e é, então, sou e é.
A sombra da utopia
Não caminha com seu corpo
Que, por ventura, está morto.
Dá-nos o que somos
E seremos o que deste.
Dê, porque somos.
Somos porque deu.
Por que somos e demos?
PREEMIMENTE DEUS-HOMEM
Com a morte vem a fama.
Com a fama vem a morte.
Posso não ter, mas sinto.
Posso não sentir, mas tenho.
Tenho riqueza, mas não sou rico.
Sou rico, mas não tenho riqueza.
Sou belo mas…
(RESPOSTAS (DEUS E CONSCIÊNCIA))
Quando sabemos diferenciar
Deus e consciência.
Quem comigo fala?
A consciência é filha de Deus?
Deus adotou a consciência?
A consciência é de Deus?
Ou Deus é da consciência?
Se Deus é consciência todos
Os pensamentos se igualam?
Se igualam pensamentos
Por que não igualar Deus
Que é um pensamento?
Penso muito em Deus
Porém, Deus pensa muito
Para muitos parar e, para…
Parar de pensar na consciência
É talvez para Deus apenas um pensamento
Que retorna com um pensar mais igualitário.
O tempo de Deus é todo para mim?
E para mim o tempo é todo para Deus
Fugindo do adeus.
A mulher foi usada para produzir
A escultura do Senhor.
E se tu usas a mulher
Que é tão folha,
Evitarei raciocinar como o homem é escamoteado.
O homem não produz esta folha.
Ele cria a flor, o polém,
E ainda não sabe ser bom regador.
Cuidar de toda flor.
HÁ TEMPO?
Há tempo espero tempo
Para que o tempo tenha tempo
Para preencher o meu vago tempo.
Quando chegar o tempo
O tempo terá tempo para ser
Um dos meus tempos.
Pode não haver tempo
Para tanto tempo
Que o tempo não tem tempo
De se sentir tempo.
É que tudo ocorre
E complica por um íntimo tempo
Que também é um colossal tempo.
O PENSAMENTO SEM CÉREBRO
Na parede, meu retrato.
No caderno, meu nome.
Na mente, minha imagem.
Na parede o nome do retrato
E na parede o caderno da imagem
Com a mente do caderno
Ajudando a mente do retrato
A fugir da mente na parede
Que na mente sem nome
Constrói a mente com duas imagens.
A parede com a mente.
O nome com a imagem
Dá o caderno sem retrato
E a parede leva a imagem.
Levo o meu retrato pregado na imagem
Secando o retrato e o caderno
Mexendo com um retrato mental
Que o retrato da imagem
Carregou até o retrato nominal.
Este caderno retrata
O caderno de nome
Que vários cadernos na parede
Esqueceram da imagem mentalizada.
Meu nome na parede-metal
Da imagem, encadernou
O retrato na parede com cérebro.
HOMEM E MULHER (PSICOLOGIA)
Toda mulher é filha de um homem.
Todo homem busca uma mãe,
Não uma mulher,
Ou quem sabe um outro homem
Como a sua mãe.
Todo filho é parte homem e parte mulher.
Eles buscam a outra parte.
Eles acham homem para homem
E mulher para mulher.
Todo homem é filho de uma mulher.
Toda mãe busca um pai,
Não um homem,
Ou quem sabe uma outra mulher como o seu pai.
Jornal o GLOBO